
A responsabilização de administradores e dirigentes por débitos tributários da pessoa jurídica é tema que tem despertado debates relevantes tanto no Judiciário quanto na esfera administrativa. O artigo 135, inciso III, do Código Tributário Nacional (CTN) trata da possibilidade de imputação pessoal quando o gestor atua com excesso de poderes ou comete infração à lei, ao contrato social ou ao estatuto da empresa. Trata-se, portanto, de uma hipótese que exige requisitos específicos e não pode ser aplicada de forma genérica.
A norma possui natureza excepcional, na medida em que rompe com a autonomia patrimonial da pessoa jurídica e transfere a responsabilidade pelo inadimplemento de tributos para o patrimônio pessoal de seus representantes legais. Justamente por isso, sua aplicação deve observar critérios rigorosos, sob pena de violação ao devido processo legal e à segurança jurídica.
A jurisprudência, especialmente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), tem firmado posição no sentido de que a mera inadimplência da obrigação tributária pela empresa não é suficiente para autorizar a responsabilização do administrador. A Súmula 430 do STJ reforça esse entendimento, ao dispor que “o inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente”. É necessário que fique demonstrado que o gestor atuou com desvio de finalidade ou contrariou normas legais ou contratuais de forma direta e efetiva.
Na prática, o redirecionamento da cobrança fiscal costuma estar associado a situações como dissolução irregular da empresa, ausência de bens penhoráveis no processo de execução, ou ainda à constatação de fraudes fiscais, omissões contábeis e outras condutas que revelem gestão temerária. No entanto, a responsabilização não pode se basear exclusivamente em presunções. É indispensável a existência de provas que vinculem diretamente o administrador ao fato gerador ou à conduta ilícita que levou ao inadimplemento.
Nesse ponto, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) tem desempenhado papel relevante ao consolidar entendimentos que limitam a aplicação automática do artigo 135, III. O órgão tem exigido que o auto de infração ou a certidão de dívida ativa contenham elementos concretos sobre a atuação do administrador, indicando de forma específica quais atos violaram as normas legais ou contratuais. Essa postura visa garantir o contraditório e a ampla defesa, protegendo o direito de o gestor apresentar sua versão dos fatos e demonstrar que não contribuiu para a infração.
Outro aspecto relevante envolve a responsabilização em casos de reorganizações societárias ou sucessão empresarial. Nesses contextos, ainda que haja continuidade das atividades e transferência de ativos, a responsabilização do novo administrador exige que ele tenha participado da infração ou se beneficiado diretamente da conduta ilícita. A mera assunção do cargo, por si só, não basta para justificar a imputação de responsabilidade tributária pessoal.
O tema exige atenção constante dos gestores, que devem manter registros atualizados das deliberações, observar estritamente as normas legais e estatutárias, e adotar uma atuação diligente na condução dos negócios da empresa. A responsabilização pessoal não deve ser encarada como regra, mas como exceção, cabível apenas quando demonstrado que o administrador extrapolou os limites da função ou agiu de forma contrária ao ordenamento jurídico.
Em conclusão, a interpretação do artigo 135, III, do CTN deve ser feita com parcimônia, considerando o conjunto de provas dos autos e os princípios constitucionais aplicáveis. O fortalecimento das garantias processuais e a exigência de fundamentos técnicos nas autuações fiscais representam avanços importantes para a segurança jurídica dos administradores e para a previsibilidade das relações entre o Fisco e os contribuintes.
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